sábado, 10 de março de 2018

Budismo Theravada Tailandês

Em outubro de 2016, embarquei em um avião no aeroporto Salgado filho em Porto Alegre, rumo ao sudeste asiático, mais especificamente a Bangkok, capital da Tailândia. Não sabia exatamente o que encontraria ao desembarcar do outro lado do mundo, mas tinha a certeza de que não seria mais a mesma pessoa depois de vivenciar por quase uma semana uma cultura completamente diferente da minha.

O meu interesse no reino da Tailândia ia muito além das belas praias, centros de comércio e alimentos exóticos. Eu queria mergulhar no imaginário do povo e entender como que, mesmo não tendo uma religião oficial no país, os tailandeses seguiam tão à risca a filosofia budista Theravada, religião praticada por aproximadamente 95% da população.

A chegada

Meu primeiro destino como já disse anteriormente era Bangkok, capital e cidade mais populosa da Tailândia. Minha estadia por lá, apesar de curta, foi o suficiente para entender um pouco da história da filosofia budista, enraizada na cultura local, e o porquê de mesmo sendo uma das vertentes mais conservadoras do budismo, os tailandeses ainda preservam os ensinamentos do Buddha Shakyamuni, fundador da religião.

1º dia        



A primeira parada em Bangkok foi no Grand Palace, conjunto de templos e palácios que serviram como residência oficial do rei da Tailândia entre os séculos 18 e 20, e é o ponto mais famoso da área. Os 20 hectares do Grande Palácio abrigam a história do país desde o tempo do rei Rama I. As construções são em um dourado imponente, que podem ser avistadas já do lado de fora do complexo. É necessário vestir calças ou saias compridas e camisas fechadas para que se possa visitar o local.
 Passei o dia inteiro na região dos templos, porque simplesmente tinha muita coisa para ver, e mesmo tendo caminhado por tanto tempo, ainda tenho a impressão que perdi muita coisa interessante que estava escondida por entre os calçamentos da região. Devo dizer que essa é sensação que tive durante toda a minha viagem pelo país, o budismo Theravada é tão explícito nos detalhes das cidades, mas também mantém o mistério sobre o que acontece nos templos mantidos dentro das casas e nas entrelinhas dos ensinamentos dos monges.

2º dia

Em meu segundo dia em Bangkok passeei pelas ruas da cidade, por entre os mercados e os bairros menos turísticos, fiz isso como uma forma de ter uma maior experiência de imersão na religião local. Confesso que a princípio, tinha uma visão diferente do budismo fora dos grandes templos. Quando você vê aquelas enormes esculturas douradas de Budha, se deixa levar pelo imaginário e generaliza o culto ao budismo, comigo não foi diferente. Fui à Tailândia achando que todos os lugares em que eram cultuados as divindades eram luxuosos, mas me esqueci de que o importante para os fiéis, são as intenções, não necessariamente o ouro que é destinado às construções.
É bonito de ver a fé das pessoas estampadas nas casas, que são decoradas com imagens e monumentos de deuses, oferendas junto as estátuas, altares caseiros e templos menores espalhados por entre jardins.



Outra coisa que você só descobre quando foge um pouco dos roteiros turísticos, é que o número de monges andando pelas ruas (não somente nas proximidades dos mosteiros) é enorme. Não é difícil encontrar uma pessoa com trajes largos laranja, frequentando os quatro cantos da cidade. Para mim a coisa mais importante de ter encontrado diversos monges, foi a desmitificação de que eles são completamente diferentes de nós. Todos são feitos de carne e osso, e apesar de se dedicarem à religião, não fazem nada de muito espetacular, eles inclusive tiram fotos em frente aos monumentos e se encantam da mesma maneira que nós todos nos encantamos com a grandiosidade desses locais, portanto pare de achar que os monges passam o dia inteiro rezando, isso não é uma verdade absoluta.



3º dia

Em meu terceiro dia em Bangkok, não fiquei exatamente dentro dos limites da cidade. Isso porque, uma senhora dona de uma barraca de alimentos típicos do Chatuchack Weekend Market (mercado de rua muito conhecido na cidade) me contou na noite anterior, sobre as Sak Yant, tatuagens sagradas feitas por alguns monges mestres. Os desenhos são feitos na pele com um bambu e utilizam uma técnica semelhante ao pontilhismo. Os desenhos que são feitos, são escolhidos pelo monge e variam de pessoa para pessoa. Reza a lenda que as formas geométricas que incorporam salmos budistas e representações religiosas, têm poderes mágicos capazes de fornecer proteção contra os inimigos.
Na hora que fiquei sabendo da existência desse tipo de ritual (processo de confecção da tatuagem é definitivamente um ritual) achei que seria uma boa oportunidade de manter as boas energias daquele povo para sempre marcadas em minha pele, assim como já estavam em minha alma.
Ao contrário do que esperava, encontrar um lugar que fizesse as Sak Yant da forma clássica era bem difícil, tudo porque, as tatuagens estavam se banalizando por conta dos turistas, que as faziam apenas por estética, e os monges tentavam esconder a existência da técnica para preservar o seu significado original. Foi preciso conversar com muita gente, até convencer um bom cidadão de que eu estava realmente interessada no sentido místico/ religioso dos desenhos e não tratava a crença deles como futilidade.
Finalmente, depois de horas tentando conseguir mais informações sobre os monges que poderiam fazer a tatuagem em mim, descobri que a 50 quilômetros da capital havia um templo que formava os monges tatuadores, o Wat Bang Phra. Eu consegui fretar com um taxista o meu deslocamento de ida e volta até o templo, e com o coração cheio de expectativa eu segui até o Wat Bang Phra.
Chegando ao templo fui recepcionada pelo monge Mestre Luang Pi Nunnque, que foi o responsável pela minha tatuagem. Vale lembrar que dentro dos templos tailandeses as tatuagens não são cobradas, a única coisa que se pede é que sejam ofertados ao monge flores e incensos.
Após uma curta conversa com o Mestre Luang, definimos que a minha tatuagem seria a gao yord, um dos desenhos mais poderosos entre as sak yant. A Gao Yord representa os nove picos da montanha mítica dos deuses, Monte Meru. Segundo os hindus, o Monte Meru é a moradia de Brahma e outras divindades. Os três círculos sobrepostos são a representação de Buda e nessa tatuagem existem 9 Budas representados, cada um concedendo uma magia especial.






A partida do rei Bhumibol
Naquela noite, enquanto assistia ao noticiário local, fui surpreendida por uma notícia arrebatadora. O rei Bhumibol Bhumibol Adulyadej, de 88 anos, havia morrido em um hospital de Bangkok. Meu coração se retorceu em agonia pelo povo tailandês que venerava o monarca como um semideus, por outro lado, estava contente por poder compartilhar com o povo o luto pela morte de alguém amado. Eu estava vivenciando o princípio de um dos rituais mais significativos que eu já presenciei em toda minha vida.
Na manhã seguinte a morte do rei, todas as pessoas saíram às ruas vestidas de preto e branco, cores oficiais do luto na Ásia, e as imagens de budas nas portas das casas foram acompanhadas por retratos do monarca. Para onde quer que eu olhasse haviam cidadãos cabisbaixos, rezando, carregando flores ou ascendendo velas e monges recitando cantos budistas que atingiam meus ouvidos como se fossem as vozes dos próprios Deuses.
No budismo, a morte não é compreendida como um evento isolado, mas como uma mudança de um ciclo infindável de mudanças. Ela é uma realidade natural, uma oportunidade muito especial de transformarmos nossa mente confusa num estado mental de profunda paz. Nesse sentido, a morte não é vista como algo mórbido e temido, mas como uma bela oportunidade de crescimento espiritual. Assim como nosso descanso noturno é necessário para acordamos bem dispostos na manhã seguinte, a morte representa um estado latente durante o qual as energias são recarregadas para o renascimento ou uma nova vida. Segundo o budismo, a vida é eterna. Ela não acaba com a morte.
Nas escrituras consta que, no momento da morte, mil budas surgirão diante de nós e estenderão suas mãos para conduzir-nos, diz-se que esses budas, na realidade, correspondem às pessoas que estão orando nesse momento crucial da nossa vida. É nesse momento que perceberemos quantas pessoas ajudamos a salvar ou a encontrar o caminho da felicidade. A isso se deve o empenho do povo tailandês em homenagear seu rei, eles queriam que ele fosse recebido pelos budas de forma pacífica e calma, porque acreditam que a condição dos familiares e das pessoas próximas que estão vivas é exatamente o estado em que o falecido se encontra.
A passagem de um ciclo a outro é conhecida pelo termo tibetano bardo: um intervalo temporal e intermediário marcado por um início e um fim definido, basicamente entre o falecimento e o próximo renascimento. Bardo significa “entre” (“entre a vida e a morte”, “entre dormir e acordar”). Por isso que Bhumibol não foi cremado logo após a sua morte, foi esperado passar o tempo de luto oficial, que durou 365 dias, para que a alma do monarca pudesse retornar ao monte Meru, enquanto isso, o povo fez de tudo para enviar boas energias ao rei.
A partida do rei Bhumibol, me ensinou a aceitar a morte como algo inevitável à vida. Não como um fim completo para a existência, mas como um encerramento de um capítulo para a abertura de um novo. Além de que, aprendi que ninguém morre antes do tempo, ou a pessoa esgotou o seu karma, ou o seu tempo nessa vida simplesmente acabou e ela precisa seguir em frente.
Ao retornar para casa, após ter passado 4 dias na Tailândia, eu me vi levando na mala uma parte daquela cultura e a saudade que sinto hoje daquele país só me confirma o que eu já esperava. Quando você conhece o que está por trás da crença de um povo, você passa a crer de forma tão árdua quanto eles, não porque concorda com tudo que eles fazem, mas porque é tomado pela certeza que eles têm de que fazem o mais correto. Eu abandonei meus preconceitos sobre o budismo por meio do conhecimento, portanto o conselho mais valioso que tenho a oferecer é: Não julgue o que você só ouviu falar, corra atrás de viver o que as outras pessoas vivem, para só assim, ter alguma bagagem para fundamentar o seu pensamento.








Trabalho escrito pela aluna Ana Clara Webler da turma 2º1.


Referências:

https://www.calcathai.com/blogs/calcathai/57181571-budismo-a-principal-religiao-na-tailandia
https://oglobo.globo.com/mundo/por-que-cremacao-do-rei-da-tailandia-acontece-apos-um-ano-de-sua-morte-21993996
http://www.budanaweb.com/2009/06/visao-budista-sobre-morte.html
http://vamosfalarsobreoluto.com.br/2016/01/09/o-luto-no-budismo/
http://misturaurbana.com/2016/06/os-monges-tatuadores-da-tailandia/
https://www.carpemundi.com.br/sak-yant-tatuagem-sagrada-tailandia/
https://catracalivre.com.br/geral/entretenimento/indicacao/conheca-o-trabalho-dos-monges-tatuadores-da-tailandia/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Pal%C3%A1cio_de_Bangkok
https://maironpelomundo.com/2016/05/13/bangkok-de-dia-os-lindos-templos-budistas-da-tailandia-e-o-famoso-buda-deitado/
http://www.vamosmeditar.com.br/um-encontro-com-o-budismo-theravada-tailandes/
https://santosbarbara.com/2017/08/25/entenda-sobre-o-budismo-tailandes/

Vídeos:
https://www.youtube.com/watch?v=VfcQNOSdJNc
https://www.youtube.com/watch?v=XqElEzChp20

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